A Guerra é atualmente definida como um conflito entre os Estados que usam a força militar. Na versão tradicional, a guerra é um resultado comum da rivalidade interestatal. Isso é exatamente o que Raymond Aron apontou, quando ele disse que a guerra é somente o resultado da tradicional, rivalidade atual entre os Estados-nações, sendo a guerra também considerada como o paroxismo desta rivalidade. A rivalidade é duradoura, mas quando ela está em seu auge, estamos em uma situação de guerra, é por isso que na história européia a guerra é considerada como normal na arena internacional, e agora nós sabemos o porquê se levarmos em consideração o que Thomas Hobbes falou. Ele nos explicou que os Estados eram como gladiadores na arena internacional. Ou seja, lhes é permitido usar de todos os meios para dominar seus rivais. Todos os meios incluindo a força, todos os tipos de força. É por isso que nesta visão, a paz é somente um período entre as guerras, a paz não existe por si só. E é provavelmente uma das facetas mais pessimistas de nossa visão ocidental das relações internacionais: a guerra está no centro, no âmago das relações internacionais, quando paz é considerado como a não guerra, o período entre duas guerras. É importante considerar essa visão pessimista, porque nessa construção de Hobbes, nós queremos dizer, nós entendemos que a guerra é sinônimo de relações internacionais. Desse modo, a ciência das relações internacionais é considerada a ciência da guerra, onde não há espaço para paz, e essa é provavelmente uma das visões mais pessimistas que podemos ter em nossos estudos de relações internacionais. Mas, atrás dessa visão pessimista, há uma coisa muito importante para nós, que é considerar que a guerra é funcional. A Guerra é funcional por diversos motivos. O primeiro é que a guerra é considerada como um instrumento para realizar a competição entre os Estados. A Guerra é a única forma de superar as disputas entre os Estados, dessa forma, é considerada como funcional. Mas a guerra também é funcional por reavaliar o poder do Estado, por redistribuir poderes, por redefinir condições de equilíbrio de poder entre os Estados. A Guera é também funcional para desenhar territórios, para desenhar fronteiras. A Guerra, em geral, é considerada como funcional porque a guerra é um dos principais instrumentos de criação do Estado. Voltemos ao muito famoso sociolólogo e historiador americano Charles Tilly, que alegou que a fabricação das guerras é uma forma de criar os Estados. Se levarmos em consideração a história do Estado europeu, os impostos foram adotados, os impostos foram definidos por as guerras na Europa, em nossa história européia. A administração pública foi criada durante guerras e pelas guerras. Assim como a legitimidade do Estado foi redefinida e impulsionada pelas guerras, as nações, a construção das nações foi fortemente definida, fortemente organizada, estruturada pelas guerras, e isso é provavelmente um dos principais pontos destacados pelo famoso filósofo e advogado alemão Karl Schmitt, que alegou que a inimizade é funcional para a construção de uma nação. Sem um inimigo, a nação não é capaz de se desenvolver adequadamente, a nação precisa de um inimigo para existir, para estar no centro da história da coletividade destinada a ser transformada em uma nação. Sem inimigos não há nação, não há nação forte. Isso é uma fórmula terrível, mas um dos principais pilares das nossas histórias européias. A Inimizade dentro da Europa foi o principal instrumento para moldar o mapa político do antigo continente. Nossa história européia, nosso mapa europeu, foi moldado por guerras, e isto também explica o processo de fragmentação, que ocorreu durante toda a história da Europa moderna. O contemporâneo e tão complexo mapa político da Europa está, principalmente, estruturado por sucessões de guerras, que ocorreram desde o Tratado de Vestifália até as duas Guerras Mundias. Charles Tilly explicou que essa visão nos conduz até o famoso conceito que ele cunhou, o conceito de Racket State, um Estado que tem o propósito de reforçar, de potencializar, sua capacidade, se utilizando da ameaça para mobilizar seus cidadãos. Portanto, Charles Tilly explicou que durante a história européia, os Estados estavam criando, inventando a insegurança, usando a ameaça como forma de mobilizar seus cidadãos para potencializar o nível da construção da Nação dentro de qualquer Estado, constituindo o mapa europeu. E agora? A primeira questão é: essa é a história da Europa, será a história européia relevante para explicar outras histórias? É igual em outros lugares? O que expliquei sobre este relacionamento entre criação de Estado e criação de guerra também está em concordância com outras histórias? Será possível explicar a história da América do Sul, da América do Norte ou da Ásia através deste paradigma? Acho que não. Esse processo de gerar guerras/criar Estados é um processo europeu e é dificilmente exportável para outras histórias. Segunda pergunta: E na atualidade? Estamos enfrentando uma nova forma de guerra. Se voltarmos para a definição que eu dei para a guerra tradicional, esta definição não é mais relevante. Primeiro, porque essas novas guerras não são feitas principalmente por atores estatais, mas por atores não estatais. Será uma guerra de atores não estatais capaz de alcançar as mesmas funções que eu descrevi sobre a guerra tradicional? E o que falar sobre o contexto territorial? Eu não estou dizendo que disputas territoriais não tenham lugar nos dias de hoje, mas o papel da disputa territorial na organização, em ser o estopim da guerra, é menos importante do que era previamente. O contexto territorial não possui o mesmo sentido hoje do que tinha anteriormente. O que falar sobre essas novas formas de guerra nas quais o jogo interestatal não é tão essencial, tão crucial, não está mais no centro do conflito internacional, como estava previamente? O que dizer de um mundo no qual o conceito de inimigo não possui mais a mesma relevância? Podemos dizer que agora estamos em um mundo no qual a rivalidade não tem o mesmo significado que tinha anteriormente, e no qual a inimizade não possui a mesma relevância. É por isso, Senhoras e Senhores, nossa cultura de a guerra vem de uma história limitada, ou seja, apenas de uma parte da história da Europa, mas somente na história européia, não sendo relevante para outras culturas e para outras histórias. É por isso que nossa visão precisa reconsiderar nosso mundo atual, reconsiderar as guerras recentes, e imaginar quais são os novos conflitos internacionais.