O poder é o principal pilar das relações internacionais. É um conceito muito conhecido e usado atualmente, porém não é tão claro. Deste modo, o problema do não funcionamento do sistema internacional atual pode ser, provavelmente, explicado pelo fato do conceito de poder estar se tornando ambíguo. Na visão tradicional isso parece simples, parece óbvio, que o poder está impondo a vontade de alguns sobre todos os outros atores, em todos os sentidos, inclusive usando violência e também meios, instrumentos e formas ilegais em assuntos domésticos. Assim o poder parece ser a esfera real das relações internacionais, essa luta livre entre gladiadores como é chamada por Thomas Hobbes. O poder é a expressão da soberania, mas também a expressão da rivalidade total entre todos os Estados nacionais, que devem ser os únicos atores, os atores exclusivos das relações internacionais. Portanto, poder, na visão tradicional, é ter a capacidade de agir, ter a capacidade de impedir, ter a capacidade de influenciar. Isso pode ser atribuído a qualquer Estado-nação, ou seja, a cada unidade que compete dentro da arena internacional. É realmente, como foi apontado por tantos autores e tantos pensadores, é um mundo de anarquia. E em um mundo anárquico, todas as unidades são capazes de existir através de seu próprio poder. Nesta visão, a estabilidade só é possível no nível internacional se nós pudéssemos alcançar um nível mínimo de equilíbrio, ou seja, um equilíbrio de poder. Isto seria verdade dentro dos assuntos domésticos e está se tornando mais óbvio dentro da arena internacional. Ou seja a única forma de manter a paz é alcançar uma situação de equilíbrio de poder em que cada poder está contendo os outros e assim está previnindo o risco de um conflito, de uma guerra total e global. Caso contrário, nós estaremos em uma situação de guerra permanente, conforme foi claramente descrito por Hobbes. Nada realmente novo desde o <i>Leviatã</i> de Thomas Hobbes. Essa foi a versão tomada por Clausewitz, quando ele escreveu seu famoso livro <i>Da Guerra</i>. Mas também, é verdade sobre muitos atores políticos e príncipes durante o século XIX. E isso é, por exemplo, o contexto histórico da estratégia bismarquiana. Este é também o contexto da teoria realista como é bem conhecida atualmente. Mas poderiamos ficar satisfeitos com essa visão? Em um primeiro momento, todos esse pontos parecem muito óbvios, e aparentam ser absolutamente verdade, mas, se nós revisarmos essa visão e se nós considerarmos a transformação global do mundo, isso não fica tão evidente como se imagina. Primeiro problema : poder é um conceito feito para definir a capacidade individual. Será que o poder se adequa a atores coletivos como os Estados? O que significa quando uma pessoa fala sobre o poder do Estado? Mas minha questão seria: o poder de quem? Seria o poder do presidente? Seria o poder do governo? Seria o poder da administração? Seria o poder do departamento de Estado dos EUA? Ou o Pentágono? Ou a CIA? Ou o poder da sociedade? Nesse sentido, quem dos atores econômicos está tendo um importante papel dentro dos assuntos domésticos desses atores? O que queremos dizer? Quando nós falamos a respeito de poder francês, quem detém o poder francês? O presidente francês? O primeiro ministro? O governo? A administração? O parlamento? Os partidos? O sistema político? A mídia de massa? As principais firmas e corporações francesas? A sociedade civil francesa? Nesse ponto existe uma ambiquidade na qual a teoria realista não deu atenção devida e, todavia, se nós queremos uma visão clara de como a arena internacional funciona nós temos que prestar atenção na identidade real de cada ator do sistema e no poder que está mudando. Nesse sentido, não se trata mais de capacidade coletiva, mas da capacidade fragmentada, e dessa fragmentação nós podemos observar que existem oposições, constrastes e, as vezes, conflito. Esse é o primeiro problema que não foi resolvido pela análise política. O segundo problema a respeito do conceito de poder é de que existe um caráter subjetivo e não somente objetivo que descreve a capacidade de um ator, pois é subjetivo dizer que eu tenho poder se o outro me reconhece o meu poder como contido. Meu poder depende da minha reputação. Meu poder depende da percepção que os outros tem de mim e isso é, provavelmente, muito ambíguo. Isso nos leva a outro assunto que é importante na nossa disciplina, é a questão do status de qualquer Estado. Dessa maneira, todo o Estado tem um status, um status de poder que é deliberado, que é decidido por todos os outros atores. Se você pretende ter poder, mas você não é crível; se todos os outros atores considerarem que você não tem o poder que pretende; você não será capaz de agir de forma eficiente, e seu poder será apenas uma mistificação. A subjetividade da dimensão de poder também aponta para outro problema que é o problema da disposição de qualquer Estado usar os recursos de poder que ele tem à sua disposição. Um Estado pode ter grandes recursos, fortes recursos de poder, entretanto, não desejar utilizá-los e mobilizá-los, não querer pagar os custos de usar esses recursos, e, dessa forma, o poder dele será um poder aparente, não um poder real. Outro problema: o que é o poder? Como medir o poder? Isso depende dos recursos que você tem a sua disposição ou isso depende da sua capacidade? Qual é a verdadeira expressão do poder? Ter os recursos ou ter a capacidade de resolver um problema? É bem claro que os EUA tem muitos recursos de poder atualmente, mas os EUA são realmente capazes de usar com sucesso esses recursos? Ou seja, os EUA são realmente capazes? Os EUA tem a capacidade de resolver o problema que esteja enfrentando? Essa é outra dimensão bem difícil. Se você considera o poder como capacidade, seu resultado será diferente de quem considerar o poder como recurso. Você pode deter os recursos e não ter a capacidade de resolver o problema, ou você pode resolver o problema, mas deter poucos recursos. Essa é outra ambiguidade. Será que a balança de poder que é muito importante e está no centro dos estudos de relações internacionais, é um conceito claro? Eu não acho. O que isso significa atualmente, por exemplo? Durante a Guerra Fria, a balança de poder foi significativa: a balança entre o poder dos EUA e o da URSS. Isso foi claro, ou mais que claro. Mas hoje, o que isso significa? O que significa a balança de poder entre os EUA e a Al Qaeda? O que significa essa balança de poder entre atores que são tão diferentes e que possuem diferentes tipos de recursos? O último problema, mas não o menos importante: a evolução do poder. Hoje em dia, poder significa a mesma coisa que antes? Quando a sociedade civil, os atores sociais, os atores não estatais são cada vez mais e mais presentes dentro da arena internacional, o poder é evidente? O segundo problema é relacionado a cultura. Antes vivíamos em um mundo que era monocultural, mas hoje vivemos em um mundo no qual existe competição entre diferentes culturas e essas diferentes culturas não tem a mesma intenção, não dão o mesmo significado ao conceito de poder. Então, o que fazer quando existem diferentes visões de poder vindas de diferentes culturas que competem? E o problema que deve ser mencionado: o que poder significa na cultura chinesa, na cultura ocidental, na cultura mulçumana e assim por diante? Como nós podemos conceber uma arena global em que essas diferentes visões culturais estão competindo? Agora, o último problema são os recursos: como podemos definir poder em um mundo no qual existem muitos diferentes e diferenciados recursos de poder? Como você pode conceber uma hierarquia de potências em um mundo no qual é caracterizado pela crescente diferenciação de recursos de poder?